WOLF, Maryanne. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. São Paulo: Contexto, 2019.
O livro Cérebro no mundo digital é uma obra fantástica de Maryanne Wolf, que é doutora por Harvard (EUA) na área da psicologia/neurociência, autora de vários livros e trabalha na UCLA na área da educação, sendo também diretora do centro de dislexia da mesma instituição. Já recebeu diversos prêmios e doutorados honorários (WIKIPEDIA).
A autora inicia esta obra fazendo uma introdução chocante: o nosso cérebro não foi desenvolvido para a aquisição da leitura. Ele apenas dá conta do recado pela sua capacidade de resolver problemas complexos. Aborda ainda todas as conexões cerebrais realizada ao se ler apenas uma palavra, isto é, desde o momento em que olhamos para uma palavra, sua corrida pelo cérebro para decodificar essa imagem, ativar todos os campos cerebrais necessários para a compreensão e reação, comandos para músculos expressarem emoção e movimentos. É uma corrida incrível que dura milissegundos! Simplesmente fabuloso.
Na sequência aborda não uma palavra isolada, mas o efeito de se ler uma frase inteira, um parágrafo, um livro TODO. Em síntese, é trabalhada a empatia que a leitura proporciona nas pessoas. O ato de ler não apenas entretém, relaxa, expande o vocabulário, como também contribui com a criatividade e molda o ser humano em face das experiências de vida compartilhadas com as personagens da literatura. Uma vez que um livro pode conduzir o leitor a conhecer outros lugares, por vezes fictícios, o envolvimento do leitor com as personagens e todos os imbróglios da trama permitem que se vivencie as mesmas emoções da obra. Com isso, aprende-se a interagir, respeitar, colocar-se no lugar do outro.
Um ponto muito interessante é sobre o quanto lemos, o que lemos, como lemos. Surpreendentemente pesquisas apontam que as pessoas estão lendo o equivalente a um romance por dia! Isso significa algo em torno de 100 mil palavras ou um livro de 400 páginas. O problema é que tudo o que é lido são fragmentos, frases curtas, nada profundo ou extenso o suficiente para a aquisição de conhecimento. “Nossas tecnologias nos colocam em uma distância que muda não só quem somos como indivíduos, mas também quem somos uns com os outros” (WOLF, 2019).
Isso é preocupante, pois essa rotina de ler frases curtas, normalmente em plataformas digitais, subtrai o leitor de materiais impressos. Em outras palavras, a prática recorrente de leitura corriqueira, superficial e rasa tem se tornado um forte hábito, que está interferindo no momento de leitura no papel, em momentos de estudos, quando a concentração é exigida, visto que os textos são mais complexos, profundos e reflexivos. Esse hábito moderno tem tornado a leitura fecunda dificultosa, tediosa e, às vezes, classificada como difícil.
É fascinante como a leitura molda o cérebro de uma criança, estabelecendo conexões neurais, bem como oportunizando a ela o acesso a um vocabulário que não é utilizado no dia a dia, sem contar com as estruturas gramaticais próprias do gênero que também não são ofertadas em conversação natural. Todo o acervo apresentado, lido, se possível com interação, antes dos 5 anos, fase considerada pré-alfabetização, só trará benefícios. Se o fato de a criança ouvir as pessoas já a faz criar infinitas conexões cerebrais que contribuirão para sua competência linguística, imagina o que não acontece quando alguém lê um livro para elas. Não importa se o livro é fantasioso, bobinho aos nossos olhos, para o serzinho em formação é repertório!
Wolf apresenta argumentos interessantes sobre o uso do livro físico com crianças menores de 2 anos, a começar pela questão do toque, quando colocam os objetos na boca para descobrir o mundo pelo tato. A referência de linguagem com o objeto físico, aquele que a criança tocou, mordeu, babou, cria vínculos. Essas ações favorecem a formar o indivíduo em um futuro leitor.
Para mim não ficou clara uma conclusão por parte da autora, isto é, não identifiquei se ela é a favor ou não da leitura em telas, tendo em vista o crescente mercado dos e-books. Ficou evidente, porém, os hábitos negativos da leitura digital (de textos curtos, como foi frisado) têm interferido na prática da leitura no papel, cuja função é ser mais um processo mais lento.
Entre emoções e frustrações, o livro vale ser lido, traz contribuições significativas para o crescimento do indivíduo, proposta que está em xeque na era digital. Esta obra deveria ser lida por todas as pessoas que desejam conhecer um pouco mais sobre os impactos da tecnologia na vida moderna, de forma que se mantenha ainda em conta os velhos hábitos, como ler no papel, pois é um livro para refletir sobre os desafios da leitura na nossa era.
Diógenes Schweigert
Postado em: 20 de janeiro de 2025.