FERRAREZI JR.; CARVALHO. De alunos a leitores: o ensino da leitura na educação básica. São Paulo: Parábola Editoria, 2017.
De alunos a leitores: o ensino da leitura na educação básica é uma obra excelente escrita por Celso Ferrarezi Júnior, em parceria com Robson Santos de Carvalho. Celso é professor da Universidade Federal de Alfenas (MG), possui graduação em Letras português/inglês, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados na área da linguística. Robson Santos de Carvalho também possui graduação em Letras, especialização em Leitura e produção de textos, mestrado e doutorado na área da linguística. Assim com Ferrarezi, trabalhou na Universidade Federal de Alfenas (MG) até seu falecimento precoce (1967–2021). Juntos eles já publicaram diversos livros.
A obra inicia com uma abordagem sobre a leitura e, ao longo do livro, é possível conferir vários relatos pessoais dos autores sobre suas experiências com a leitura na escola, seja como alunos, seja como professores. O primeiro capítulo relata a leitura na escola, que, desde muito tempo, acontece apenas com o viés gramatical, em que o aluno deve ler um livro para preencher uma ficha de leitura, ler uma tirinha para encontrar os verbos, interpretar uma fábula, buscando a oração principal. A leitura deve ser realizada por prazer, pelo simples ato da leitura, sem cobrança de relatórios ou análises gramaticais.
Os autores deixam claro como a gramática não deve ser ensinada tendo um texto como pretexto. O foco deve ser bem o oposto: deve-se apresentar os diversos gêneros textuais e a partir deles explorar todas as possibilidades. Para Ferrarezi e Carvalho, trazer um texto para observar os adjetivos como moduladores é usar o texto como pretexto. Trazer um texto, manual do videogame, por exemplo, e analisar todas as possibilidades é bem diferente. Pode-se analisar o imperativo, os moduladores, orações principais (como recurso de organização textual), parágrafos, tempos verbais etc.
Para que essa prática fosse possível, os autores destacam que se deve rever os currículos, aumentar a carga horária da disciplina de Língua Portuguesa, mudar a didática de ensino e torcer para que os alunos cheguem interessados em aprender. Na prática, não basta motivá-los, é fundamental que eles estejam abertos para o aprender. Essa fragilidade de currículo e de alunos é uma realidade no Ensino Fundamental e Médio. Outro ponto importante para a mudança dessa prática é rever os processos seletivos, que ainda cobram (por serem avaliações seletivas) classificações gramaticais que talvez interesse ou apenas faça sentido para as pessoas que trabalham diretamente com a linguagem. Qual o objetivo, em um seletivo, de perguntar se a frase extraída do texto de apoio é uma oração subordinada substantiva objetiva direta ou completiva nominal?
No capítulo dois, os autores abordam sobre a exposição de materiais de leitura. E o primeiro tópico desse capítulo é “Por que o Brasil lê tão pouco?”. Logo nos primeiros parágrafos, evidencia-se que o conhecimento vale mais que um conceito/nota. Para os autores, a educação deveria ter como foco apenas a aprendizagem, sem a necessidade de se atribuir nota para um sistema (pois nem sempre retrata a realidade). Ferrarezi e Carvalho (2017, p. 88) destacam que “O Brasil não possui políticas públicas relevantes de incentivo à leitura para o cidadão comum”. Uma sugestão apresentada, mas que precisaria da parceria do profissional da biblioteca escolar, é o carrossel de leitura, em que os alunos fazem o rodízio dos livros entre eles. Por que não começar com um grupo pequeno e ver se a movimentação não gera novos participantes?
O terceiro capítulo traz como norte a questão de que o texto não é pretexto. As aulas devem ser ministradas sob uma perspectiva diferente do que normalmente é praticada. Um bom texto será sempre um texto concreto, autêntico, real, criado para uma situação específica da vida das pessoas reais [...] (FERRAREZI JR.; CARVALHO, 2017, p. 96). A questão é que o texto, como já dito, não deve ser o pretexto, mas o ponto de partida, e a avaliação deveria ser baseada na matriz de avaliação, que tem como foco a constatação de habilidades e competências. Logo, dever-se-ia ensinar os conteúdos do currículo de uma maneira diferente do tradicional e avaliar buscando identificar as habilidades e as competências dos alunos. Esse capítulo, além de muitas reflexões, apresenta vários exemplos de atividades, alertando principalmente para as questões do tipo “exceto”, que são, nas palavras dos autores, “[...] pegadinha, e isso não é pedagógico” (FERRAREZI JR.; CARVALHO, 2017, p. 145).
Esse certamente é um livro que merece ser lido mais de uma vez, que vale o investimento da aquisição. É uma leitura leve, fluida, que traz muitas ideias positivas para alterar nossa prática pedagógica. A obra provoca o leitor para a mudança, e evidencia que a prática escolar precisa ser revista, não apenas os documentos norteadores. Os autores são tão didáticos em suas proposições que algumas práticas pedagógicas arcaicas que ainda podem ser vistas em algumas salas de aula passam a nos deixar desconfortáveis após o término da obra.
Esse livro deveria ser lido por todos os profissionais da educação, uma vez que a leitura é elemento importante na formação do educando. Demais interessados no assunto, como pais e os próprios estudantes, também se beneficiariam com essa leitura. “Lemos porque a leitura nos civiliza e nos torna pessoas melhores e não para fazer resumos “(FERRAREZI JR.; CARVALHO, 2017, p. 188).
Diógenes Schweigert
Postado em: 31 de outubro de 2024.